16 de abril de 2009

As vezes penso que Deus está insistentemente brincando comigo, desde criança.


Aos quatro anos de idade fiz uma cirurgia no coração que em 1983 era muito delicada, menino, meio amarelo, barrigudo e já vinha sofrendo por conta desse mal congênito, sofria do famoso e popular, “sopro”, os médicos chamam até hoje de CIA CIV, siglas essas que não tenho a menor idéia do que signifiquem, por um motivo ou outro tive complicações, quase morri por conta de uma hemorragia interna. Dias longos e tortuosos no pós cirúrgico, minha mãe dormindo no chão, sendo alimentada clandestinamente pelas enfermeiras que se apiedavam daquele quadro, depois de dias, fazia uma espécie de fisioterapia enchendo várias e várias luvas plásticas para recuperar a capacidade respiratória, e como toda criança acompanhada de um bom anjo da guarda chamado mãe, me recuperei a contento.
Fui uma criança cheia de restrições preocupadas que vinha da minha avó, outra guerreira que já se foi, mas que me fez por bastante tempo os mimos de avó com todos os gostos e dedicações, a adolescência, também não foi menos parada, nem esportes eu fiz muito, mas o coração continuava lá a meu ver com as suas funções toda acontecendo harmoniosamente, pensava eu.
Daí na exata adolescência recomeçou os testes, Deus simplesmente decidiu rever a garantia que ele havia me concedido, penso eu que ele em seus arquivos viu algum prazo de validade a vencer ou precisando de renovação, então ele não menos que na adolescência vem com os primeiros exercícios de ergometria, pois meu peito a prova com vários e vários quilômetros de corrida rústica, subindo e descendo as ladeiras dos meus hormônios em turbilhão, nadava algumas mil milhas submarinas de lágrimas que até então eu não sabia que era de amor, de amar ou de mal amar.
Vinte e seis anos depois, me deparo com uma intensa maratona de sentimentos que vão se acumulando por causa de fulano, cicrano e beltrano que sequer me perceberam ou que somente praticaram o tiro ao alvo do egoísmo em mim.
Por isso agora penso que ele me testa o coração só pra ver se ainda está na garantia, ai fico assim batendo em uns descompassos as vezes em tempos de valsa ou em algumas poucas vezes nem sei se bate. Tento elevar minhas pancadas cardíacas para o trabalho, um dos meus maiores amores, para os meus sobrinhos, mas as vezes, ele (coração) pede para bater em outro tom, um outro samba canção, ai vem as vezes aquela batida oca, e uma completa sensação de incompletude o brilhante e estilhaçado vazio dentro do peito.
Espero que ele (Deus) pare logo com esses testes e que me de logo um laudo, um certificado de garantia e me deixe livre para provar por mim mesmo quantas vezes e quanto tempo tenho ainda para bater nesse coração que só tem sofrido por metades, metades de amor, metades de amar, amantes pela metade, só os sofrimentos que vem por completo.

12 de abril de 2009

Memorial pré montagem CEFET 2009.1


Fortaleza 12 de abril de 2009, domingo de páscoa.
Decidi fazer uma das muitas páginas do memorial da nossa turma, logo no domingo de pasço, no dia da queimação do Judas, constatando o quanto fui sagrado e profano estes dias. Na sexta-feira santa, comi carne, praticamente um rodízio, frango, porco e carne vermelha, só depois da pajelança realizada foi que me lembrei do pecado da gula e do dia que os cristãos reservaram para comer peixe, mas depois ri, dei de ombros e me satisfiz em constatar que desde quando comecei a fazer teatro esses dogmas e estigmas não fazem mais parte do meu cotidiano, respeitosamente os religiosos a parte, vi que por causa do teatro muitos e muitos dogmas o teatro assim me processou em conceitos e novos conceitos, me refizeram em melhor pessoa, em mais amigo e mais e mais paciente com o que os outros pensam da nossa arte da nossa profissão, diria até uma paciência de freira com o perdão de do trocadilho.
Sim, pois há de se ter muita paciência com os que administram o nosso mercado de trabalho, com os que ofertam vagas de empregos e ou estágios onde temos que fazer algo mais que lhe dar somente com artes cênicas. Não quero aqui puxar um discurso partidário, e ou político, mas quero refletir uma realidade que aprendi a sobrevier com ela, à realidade de fazer arte em um estado onde nem as prioridades são priorizadas, então como dignificar uma profissão onde sequer o Banco Real nos aceita como profissão reconhecida que me seja dado um crédito para abrir uma conta universitária?
Como dignificar? Como?
Há uns dias atrás na turma de iniciação a estética da arte onde estou pagando uma disciplina em atraso, ocorreu um fato que eu não acreditei no que vi: uma universidade particular precisava de atores para um evento e quando perguntei quanto seria o cachê a resposta não me surpreendeu, não teria sequer ajuda de custo, mas o que me assustou foi o conformismo com que uma recém aluna de um curso superior em Artes Cênicas, disse aos colegas que teatro é assim mesmo, não tem pagamento, com um ar conformista e submisso que me revoltou e me fez discursar a favor de mim pelo menos, tive que dizer o óbvio que do dia da matrícula em diante nós já caminhávamos por um profissionalismo e que isso seria um impulso para mudar essa herança de que teatro não tem dinheiro e que qualquer participação de um ator, não mereça ser remunerada, saí da sala sem acreditar no que vi e muito revoltado em pensar que ainda tem artista que pensa assim, tão alternativamente, teatro é arte, mas também é vida e digo vida quando tentamos viver dela, para ela e por ela, mas sem esquecer que como todos, comemos, bebemos, pagamos contas e que para isso precisamos nos levar mais a sério, nos respeitar para que nos respeitem reclamar sim, reivindicar sim, protestar sim, chega dessa submissão elisabetana, sem essa de pão e circo, sem essas de ouvir aquela frase: Ah só podia ser o povo do teatro mesmo!
Não, pode ser o povo do circo da dança da arte de um modo geral, somos profissionais limpos, livres de maracutaias e de jogatinas políticas, a bem da verdade somos vítimas dessas manipulações.
Assim como todas as profissões somos importantes, somos mantenedores de um bem inatingível por qualquer crise ou intempérie, somos os que levamos um bem imaterial, a cultura adiante, aos quintais, as praças, as escolas e sobre tudo aos corações de quem nos vêem.
Sejamos representados por nossas vozes, nossas mãos, pés e olhos vivos, que notificam a vida que passa logo ali nas ribaltas, vamos tocar a frente com nossos vigorosos passos, o nosso processo, essa não é a formatura, será mais uma das formaturas que teremos na nossa vida de artista. Não temos que provar para ninguém o quanto somos, pois assim já sabemos e seremos sempre e sempre mais.