21 de agosto de 2010

Abobalhado ou ao acaso das coincidências

Meu "com sorte", pois é meu leitor querido, uso essa expressão, por que com o andar da carruagem da minha vida me sinto a cada dia mais e mais com sorte, apesar de ser um termo medieval, colonial, imperial.
Voltemos ao abobalhamento.
Então... (suspiros)
Meu "gringo", não ele não é estrangeiro, como ele é meio cabreiro, fica como codinome este apelido carinhoso. Hoje me dou ao luxo romanesco do prolixo.
Em um dia de visitas na casa dele aqui do centro, a qual ele decidiu reorganizar depois do divorcio, sim ele é separado e PAI, mas sem aprofundar muito este lado da realidade, voltemos a visita.
Então depois de muitas idas e vinda com embrulhos e pacote e caixas que umas para o lixo e outras para doação e poucas para devolução (para a ex).
Ele me mostrou uns livros e rapidinho sacou de uma pequena pilha um livro preto que não percebi quem era o autor, mas o que me atraia mais era o relevo da capa, que me remetia as portas da casa grande da minha avó Resila, onde cresci e fui muito mimado por ela, subindo em pé de jambo para pegar a fruta do pé e ver o movimento das formigas pessoas que passavam em baixo da minha altura emprestada pelo pé de jambo, onde também brincava de João e o pé de jambo.
Aproximei o livro da luz e das minhas vistas e vi que era um livro novo tipo daqueles relançamentos ou reedições ampliadas coisa chique mesmo, ai ele la do outro lado disse, fica pra você, de presente.
Nossa quase me derreti todo, logo por que se já não bastasse estar na casa do com sorte, estava com UM COM SORTE, fato raro nesses últimos seis ou oito anos, e eu estava ganhando de presente um livro do com sorte era demais para o meu dia, não fui nem par ao ensaio.
Pausa para mais um comentário bem paralelo, por conta do fato do com sorte permear agora os meus bons dias, tenho também me permitido pequenos descarregos de responsabilidades, em função de mim e dele e para nós, me perdoe leitor amigo, me perdoe leitor e amigo, me perdoem os amigos, mas tenho decidido me omitir para os amigos em função do com sorte, afinal preciso me dedicar um pouco mais as minhas particularidades.
Voltemos ao livro, pois o fôlego que agora não me falta para esta narrativa, me foi tomado pela surpresa desprendida do presente, talvez nem tenha tantas intenções que eu tenha imaginado, mas foi tudo tão mágico, que depois vi que o livro era de poemas do Augusto dos Anjos chamado EU e outras poesias, edição revista e ampliada.
Era um desbunde completo aqui posso literalmente listar tudo:
casa do com sorte
ajudando na organização
vendo suas memorias
compartilhando mais intimidades
folheando livros
ganhando um livro dele
um livro do Augusto dos Anjos
edição ampliada
capa com relevo
O que eu poderia querer mais?
Voltamos para casa e claro como todos os que estão em vias de namoro, fomos aos fatos óbvios, namoramos até dormir.
Então foi-se a semana, os dias, horas, até quando outra poesia se fez no meio de tantos fatos corriqueiros e rotineiros.
Deu um vento forte aqui no meu apertamento e algumas folhas do livro que ganhei do com sorte, me obrigando a tira-lo do lugar, e para poder recordar melhor de tudo aquilo que estava impresso entre o livro e eu, o pus em meu colo e comecei a folheá-lo, quando mais uma surpresa deliciosa. Cabe aqui outra pausa, devo confessar que tenho uma mania ou até mesmo á excentricidade de manipular livros de poesias como se os mesmo fossem "O minuto de Sabedoria" os tomo em minhas mãos, respiro fundo e abro em qualquer página, então leio o poema da esquerda, mas se ele não me for o suficiente, leio o da direita e pronto, assim leio vários livros e assim a poesia em mim reverbera mais.
Continuando depois da lacuna de 24 horas e reivindicações, mas devo confessar que a verve de hoje não é a mesma de ontem, muito menos o sabor das palavras, então creiam que o restante deste texto pode até parecer um outro, mas prometo que ao tema não serei infiel, pelo menos isso garanto.
Pois vamos lá...
Então, fiz o ritual louquinho de ler poemas, quando estava folheando para escolher a "sabedoria poética do dia", me cai do livro, meio que saltando entre as folhas, mas parecia um peixe ou um golfinho, quando salta no mar, me surgi uma nota de 50 cruzados novos, e de súbito não percebi de quem era o busto que esta impresso nela.
Claro que para poder identificar, tive que ir e vir com o braço ate acertar o foco dos meus olhos já em petição de miséria (aqui usufruo do drama que a profissão me permite) então li em letras corridas mesmo, o nome Drummond achei a coisa mais fofa do mundo e claro até pensei:
Porra! Por que não fizeram isso de novo? era uma boa forma de divulgar coisas boas, tudo bem que a fauna e a flora da gente precisa de referencias, mas do que me vale uma onça ou uma garoupa em um papel se não existem planos de fato para que não sejam extintos? Poxa vida! Drummond teve um só, não existe programa de preservação aso Drummond, então seria o mínimo para que o povo que de fato pega em dinheiro conhecer um cara que contribui tanto ou mais para que os humanos se coexistam bem e se preservem.
Decidi ver o verso da nota do Drummond que só resistiu ao tempo acredito eu que por estar entre outros poemas de um amigo seu de inspirações. Pois para melhorar a surpresa, do outro lado tinha na integra e claro e de muito bom gosto, em letras cursivas, um poema na íntegra do próprio Drummond.
Segue o poema:
"Canção Amiga
Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
Que passa por muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
E saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
Como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
Dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
E tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças"

Em 1989, quinze meses após sua morte, começou a circular a cédula de 50 cruzados novos, que homenageava o poeta e trazia no verso este poema. Infelizmente, com a espiral inflacionária e a rápida sucessão de moedas (cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real), a homenagem durou pouco. A cédula saiu de circulação em outubro de 1992.  "Canção Amiga" foi musicada por Milton Nascimento. Clube da Esquina 2, 1978.

E para completar o ciclo de coincidências ou sei lá o que, o pósfácio do livro "EU" foi escrito por Drummond.